1 de jul. de 2010

Ligações perigosas

As empresas e o mundo da política
Nos EUA, o faturamento anual do lobbying é cerca de US$ 8 bilhões por ano. Metade dos ex-senadores americanos acaba se tornando lobista, frequentemente a serviço das empresas que regulamentaram. Esse também foi o caso de 283 ex-membros da administração Clinton e de 310 da administração Bush
por Serge Halimi
o dia 10 de maio de 2010, tranquilizados por uma nova injeção de 750 bilhões de euros na fornalha da especulação, os detentores de títulos da Société Générale lucraram 23,89%. Nesse mesmo dia, o presidente da França, Nicolas Sarkozy, anunciou que, por rigor orçamentário, não haveria renovação da ajuda excepcional de 150 euros para as famílias em dificuldades. Assim, de crise financeira em crise financeira, caminha a convicção de que o poder político ajusta sua conduta de acordo com o humor dos acionistas.
Periodicamente, obrigação moral da democracia, os políticos eleitos encorajam a população a privilegiar partidos que os “mercados” pré-selecionaram devido a sua inocuidade. Quando Barack Obama censurou o banco Goldman Sachs para melhor justificar suas medidas de regulamentação financeira, a reação não se fez esperar: os republicanos difundiram imediatamente uma notícia que recapitulava a lista das doações que o presidente e seus amigos políticos receberam da “Empresa” nas eleições de 2008. “Democratas: 4,5 milhões de dólares. Republicanos: 1,5 milhão de dólares. Políticos atacam a indústria financeira, mas aceitam os milhões de Wall Street”. A suspeita de prevaricação solapa pouco a pouco a credibilidade de cada apelo ao bem público.
Quando, ao alegar sua preocupação em preservar o orçamento das famílias pobres, os conservadores britânicos opuseram-se à instituição de um preço mínimo das bebidas alcoólicas, os trabalhistas responderam que se tratava, ao contrário, de agradar os proprietários de supermercados, hostis a tal medida desde que fizeram do preço dessas bebidas um produto atrativo, destinado aos adolescentes maravilhados com o fato de que a cerveja pudesse ser mais barata do que a água.
Finalmente, quando Sarkozy eliminou a publicidade nas redes públicas de televisão, cada um imaginou o proveito que as televisões privadas, dirigidas por seus amigos Vincent Bolloré, Martin Bouygues etc., tirariam de uma situação que os liberou da concorrência na divisão do butim dos anunciantes.
Esse tipo de suspeita vem de longe. Muitas realidades que deveriam escandalizar, mas às quais nos conformamos, são minimizadas por um “Isso sempre existiu”.
Já em 1887, o genro do presidente francês Jules Grévy, tirava proveito de seu parentesco presidencial para fazer comércio de condecorações. No início do século passado, a Standard Oil ditava suas vontades a um grande número de governadores dos Estados Unidos. Além disso, questão de ditadura das finanças, falava-se, já em 1924, do “plebiscito diário dos portadores de títulos” (os credores da dívida pública da época), cujo outro nome era “parede de dinheiro”.
Com o passar do tempo, o papel do capital na vida política foi regulamentado, sempre depois de mobilizações políticas. Isso ocorreu nos Estados Unidos durante a “era progressista” (1880-1920), e no fim do escândalo Watergate (1974). Quanto à “parede de dinheiro”, na França, as finanças foram postas sob tutela no dia seguinte à libertação do país (1944-1945). Em resumo, isso “sempre existiu”, mas isso também podia mudar.
E mudar novamente... Mas no outro sentido. Em 30 de janeiro de 1976, a Corte Suprema dos Estados Unidos rescindiu várias disposições-chave que, votadas pelo Congresso, limitavam o papel do dinheiro na política (sentença Buckley conta Valeo). O motivo dos juízes?  “A liberdade de expressão não deve depender da capacidade financeira do indivíduo em se envolver no debate público.” Em outras palavras, regulamentar os gastos é sufocar a expressão... Em janeiro passado, essa sentença foi ampliada a ponto de permitir que as empresas gastassem o que quisessem para promover (ou afundar) um candidato.
Aproximadamente há uns vinte anos, entre os antigos apparatchiks soviéticos transformados em oligarcas industriais; os empregadores chineses, ocupando lugares importantes no seio do Partido Comunista; os chefes do executivo, ministros e deputados europeus preparando, à moda americana, sua conversão para o “setor privado”; um clero iraniano e militares paquistaneses embriagados pelos negócios1; o deslize venal tornou-se novamente praxe, mudando o curso da vida política do planeta.
Na primavera de 1996, no término de um primeiro mandato bem medíocre, o presidente William Clinton começou a preparar sua campanha de reeleição. Ele precisava de dinheiro. Para angariar fundos, ocorreu-lhe a ideia de oferecer aos mais generosos doadores de seu partido uma noite na Casa Branca, por exemplo, no “quarto de Lincoln”. Como estar associado ao sono do “Grande Emancipador” não era para todos os bolsos, nem uma fantasia que mobilizava a muitos, outras guloseimas foram oferecidas, entre as quais, “tomar um café” na Casa Branca com o presidente dos Estados Unidos. Os potenciais financiadores do partido democrata encontraram-se, assim, com os membros do poder executivo encarregados de regulamentar sua atividade. O porta-voz do presidente Clinton, Lanny Davis, explicou ingenuamente que se tratava de “permitir que os membros das agências de regulamentação conhecessem melhor as questões da indústria2”. Um desses “cafés de trabalho” pode ter custado alguns trilhões de dólares para a economia mundial, contribuído para o impulso da dívida dos
Estados e provocado a perda de dezenas de milhões de empregos. 
No dia 13 de maio de 1996, alguns dos principais banqueiros dos Estados Unidos foram recebidos na Casa Branca por noventa minutos pelos principais membros da administração. Ao lado do presidente Clinton, estavam o ministro das finanças, Robert Rubin, seu assessor encarregado dos assuntos monetários, John Hawke, e o responsável pela regulamentação dos bancos, Eugene Ludwig. Oportunamente, o tesoureiro do partido democrata, Marvin Rosen, também participou da reunião.
De acordo com o porta-voz de Ludwig, “os banqueiros discutiram sobre a legislação futura, inclusive sobre ideias que permitiriam romper a barreira que separa os bancos das outras instituições financeiras3”.
Escaldado pelo craque da bolsa de 1921, o New Deal havia proibido que os bancos arriscassem imprudentemente o dinheiro de seus clientes, o que obrigava o Estado a reerguer essas instituições temendo que eventuais falências provocassem a ruína de seus correntistas. Assinada pelo presidente Franklin Roosevelt em 1933, a regulamentação, ainda em vigor em 1996 (lei Glass Steagall), desagradava muito aos banqueiros, desejosos de usufruir também dos milagres da “nova economia”. O “café de trabalho” visava relembrar o chefe do executivo americano dessa contrariedade, no momento em que este pensava que os bancos pudessem financiar sua reeleição.
Algumas semanas após o encontro da Casa Branca, comunicados anunciaram que o ministério das finanças iria enviar ao Congresso um pacote legislativo que “questionaria as regras bancárias estabelecidas seis décadas antes, o que permitiria que os bancos se lançassem amplamente nos seguros e nas transações de banco de negócio e de mercado4”. O final, todo mundo conhece. A revogação da lei Glass Steagall foi assinada em 1999 por um presidente Clinton reeleito três anos antes, em parte graças a seu tesouro de guerra eleitoral5. Essa medida atiçou a orgia especulativa dos anos 2000 (sofisticação sempre foi o maior dos produtos financeiros, do tipo de créditos hipotecários subprimes etc.) e precipitou o craque econômico de setembro de 2008. 
Na realidade, o “café de trabalho” de 1996 (foram cento e três deles, do mesmo tipo, no mesmo período, e no mesmo local) só fez confirmar as forças de gravidade que já se inclinavam em favor dos interesses das finanças. Pois foi um Congresso de maioria republicana que enterrou a lei Glass Steagall, de acordo com sua ideologia liberal e com os desejos de seus “mecenas” – os parlamentares republicanos também corrompidos pelos bancos.
Quanto à administração Clinton, com ou sem “café de trabalho”, ela não teria resistido por muito tempo às preferências de Wall Street, uma vez que seu ministro das finanças, Rubin, havia dirigido o Goldman Sachs. Aliás, da mesma maneira que Henry Paulson, na direção do Tesouro americano durante o craque de setembro de 2008. Depois de permitir o fim de Bear Stearns e Merryl Lynch – dois concorrentes do Goldman Sachs – Paulson reergueu a American Insurance Group (AIG), uma seguradora cuja falência teria afetado seu maior credor, o Goldman Sachs. 
Por que será que uma população que não é majoritariamente rica aceita que seus políticos satisfaçam com prioridade os pedidos dos industriais, dos advogados de direito empresarial e dos banqueiros, a ponto de a política acabar consolidando as relações de força econômicas em vez de opor-lhes a legitimidade democrática?
Por que, quando, por sua vez, são eleitos, esses ricos se sentem autorizados a multiplicar sua fortuna? E a proclamar que o interesse geral impõe satisfazer os interesses particulares das classes privilegiadas, únicas dotadas do poder de fazer (investir) ou de impedir (deslocalizar), e que é preciso constantemente seduzir (“tranquilizar o mercado”) ou deter (lógica do “escudo fiscal”)?

Essas perguntas lembram o caso da Itália. Nesse país, um dos homens mais ricos do planeta não se filiou a um partido no intuito de influenciá-lo; ele criou o próprio, Forza Itália, para defender seus interesses de negócios. No dia 23 de novembro de 2009, o jornal La Repubblica apresentou a lista das dezoito leis que favoreceram o império comercial de Silvio Berlusconi desde 1994, ou que lhe permitiram escapar de processos judiciais.
Já o ministro da justiça da Costa Rica, Francisco Dall’Anase, alertou contra uma etapa posterior, que veria o Estado, não apenas prestativo com os bancos, como ao serviço de grupos criminosos: “Os cartéis da droga vão se apoderar dos partidos políticos, financiar campanhas eleitorais e, depois, tomar o controle do poder executivo6”.
E qual foi o impacto da (nova) revelação do La Repubblica sobre o destino eleitoral da direita italiana? A se julgar pelo seu sucesso nas eleições regionais de março passado, nenhum. Tudo se passa como se a flexibilização da moral pública tivesse amortecido populações, de agora em diante resignadas à corrupção na vida política. Por que se indignar quando os políticos preocupam-se permanentemente em satisfazer os novos oligarcas – ou em se juntar a eles no topo da pirâmide dos rendimentos?
“Os pobres não fazem doações políticas”, observou judiciosamente o antigo candidato republicano à presidência John McCain. Ele se tornou lobista da indústria financeira.
No mês que se seguiu à sua partida da Casa Branca, Clinton ganhou tanto dinheiro quanto nos seus cinquenta e três anos anteriores. O banco Goldman Sachs gratificou-o com 650 mil dólares por quatro discursos. Apenas um pronunciamento na França rendeu-lhe 250 mil dólares; dessa vez, quem pagou foi o Citigroup.
No último ano do mandato de Clinton, o casal havia declarado uma renda de 357 mil dólares; entre 2001 e 2007, totalizou 109 milhões de dólares. A celebridade e os contatos feitos durante uma carreira política se monetarizam principalmente depois de terminada a carreira. Os cargos de administrador no setor privado ou de consultor bancário substituirão vantajosamente um mandato popular. Ora, como governar é prever...
Porém o pantouflage, isso é, deixar o serviço do Estado para entrar no setor privado, não se explica mais somente pela exigência de permanecer membro da oligarquia para toda vida. A empresa privada, as instituições financeiras internacionais e as ONGs ligadas às empresas tornaram-se, às vezes mais do que o Estado, locais de poder e de hegemonia intelectual.

Na França, tanto o prestígio das finanças como o desejo de construir um futuro dourado desviaram muitos ex-alunos da École Nationale d’Administration (ENA), da École Normale Supérieure ou da Polytechnique, de sua vocação de servidor do bem público.
O ex-primeiro-ministro Alain Juppé, diplomado pela ENA e pela École Normale, confessou ter experimentado uma tentação semelhante: “Fomos todos fascinados, inclusive, desculpem-me, as mídias. Os golden boys, isso era magnífico! Esses jovens que chegavam a Londres, que ficavam na frente das suas máquinas, que transferiam bilhões de dólares em alguns instantes, que ganhavam centenas de milhões de euros todos os meses, todo mundo estava fascinado! [...] Eu não seria totalmente sincero se negasse que, às vezes, dizia a mim mesmo: se eu tivesse feito isso, talvez estivesse em uma situação diferente hoje7”.
“Nenhum arrependimento”, declara Yves Galland, ex-ministro francês do comércio, que se tornou CEO da Boeing France, empresa concorrente da Airbus. Nenhum arrependimento também para Clara Gaymard, esposa de Hervé Gaymard, ex-ministro da economia, das finanças e da indústria: depois de ter sido funcionária do governo e embaixatriz itinerante, promovendo investimentos internacionais, ela se tornou presidente da General Eletric France. Consciência tranquila também no caso de Christine Albanel, que ocupou por três anos o ministério da cultura e da comunicação. Desde abril de 2010, ela continua dirigindo a comunicação, porém a da France Télécom.
A metade dos ex-senadores americanos acaba lobista, frequentemente a serviço das empresas que regulamentaram. Também foi o caso de 283 ex-membros da administração Clinton e de 310 da administração Bush. Nos Estados Unidos, o faturamento anual do lobbying é de cerca de 8 bilhões de dólares por ano. Uma soma imensa, mas com um rendimento excepcional!
Em 2003, por exemplo, a alíquota do imposto sobre o lucro realizado no exterior por Citigroup, JP Morgan Chase, Morgan Stanley e Merril Lynch foi reduzida de 35% para 5,25%. Faturamento do lobbying: 8.500.000 dólares. Vantagem fiscal: 2 bilhões de dólares. Nome da disposição em questão: “lei para a criação de empregos americanos”...
“Nas sociedades modernas, resumiu Alain Minc, ex-aluno da ENA, conselheiro (voluntário) de Sarkozy e (remunerado) de vários grandes empresários franceses, o interesse geral pode ser exercido não somente pelo Estado, mas também pelas empresas”. O interesse geral está tudo aí.

A atração pelas “empresas” (e suas remunerações) não deixou de causar prejuízos à esquerda. “Uma alta burguesia renovou-se, explicou em 2006 François Hollande, então primeiro secretário do Partido Socialista francês, no momento em que a esquerda chegou às responsabilidades, em 1981. [...] Foi a máquina do Estado que deu ao capitalismo seus novos dirigentes. [...] Oriundos de uma cultura do serviço público, eles tiveram acesso ao status de novos-ricos, falando com autoridade aos políticos que os haviam nomeado10.” E que foram tentados a segui-los.
O mal lhes parece menor principalmente porque através dos fundos de pensão, dos fundos de investimento etc., uma parte crescente da população sujeitou, às vezes sem querer, seu destino ao das finanças. De agora em diante, pode-se defender os bancos e a Bolsa pretendendo preocupar-se com a viúva sem dinheiro ou o funcionário que comprou ações para complementar o salário ou garantir a aposentadoria.
Em 2004, o ex-presidente George W. Bush apoiou sua campanha de reeleição nessa “classe de investidores”.  O Wall Street Journal explicou: “Quanto mais os eleitores são acionistas, mais eles apoiam as políticas econômicas liberais associadas aos republicanos. [...] 58% dos americanos possuem um investimento direto ou indireto nos mercados financeiros, contra 44%, há seis anos. Em todos os níveis de rendimento, é mais provável que a maioria dos investidores diretos se declarem republicanos11”. Entende-se que Bush tenha sonhado em privatizar as aposentadorias.
“Submissos ao mercado financeiro por duas décadas, os governos só se voltarão contra ele se esse vier a agredi-los diretamente num ponto que lhes parecer intolerável”, anunciou no mês passado o economista Frédéric Lordon12.
O alcance das medidas que a Alemanha, a França, os Estados Unidos e o G-20 tomarão contra a especulação logo nos dirá se a humilhação diária que os “mercados” impõem aos Estados, e se a ira popular atiçada pelo cinismo dos bancos, despertarão nos governantes cansados de serem tomados por joguetes, o pouco de dignidade que lhes resta
Serge Halimi é o diretor de redação de Le Monde Diplomatique (França).

1 Ler “L’argent”, “L’empire économique des pasdarans”, e “Mainmise des militaires sur les richesses du Pakistan”, Le Monde diplomatique, janeiro de 2009, fevereiro de 2010 e janeiro de 2008, respectivamente.
2 Cf. “Guess Who’s Coming for Coffee?”, The Washington Post, Washington, 3 de fevereiro de 1997.
3 Ib.
4 Ib.
5 Ler Thomas Ferguson, “Le trésor de guerre du président Clinton”, Le Monde diplomatique, 1996.
6 Citado por London Review of Books, Londres, 25 de fevereiro de 2010.
7 Programa “Parlons Net”, France Info, 27 de março de 2009.
8 Dan Eggen, “Lobbying pays”, The Washington Post, 12 de abril de 2009.
9 France Inter, 14 de abril de 2010.
10 François Hollande, Devoirs de vérité, Stock, Paris, 2006, pp. 159-161.
11 Claudia Deane e Dan Balz, “‘Investor Class’ Gains Political Clout”, The Wall Street Journal Europe, 28 de outubro de 2003.
12 “Les blogs du Diplo”, 7 de maio de 2010,
http://blog.mondediplo.net/2010-05-07-Crise-la-croisee-des-chemins.

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