25 de out. de 2010

Três mitos da era digital

01 de Setembro de 2010
TECNOLOGIA
O debate sobre jornalismo digital e mídias participativas continua ingênuo. Casos como o do vazamento de informações confidenciais sobre a guerra do Afeganistão pelo Wikileaks demonstram que, ao contrário do discurso do universo digital “horizontal”, as estruturas, as fronteiras e as leis não perderam sua importância
por Christian Christensen
A publicação no site Wikileaks.org, em 26 de julho de 2010, de um “diário da guerra no Afeganistão” foi manchete do Guardian, New York Times e Spiegel. A compilação de documentos trazia informações detalhadas sobre o cotidiano do exército dos Estados Unidos no país. Comentada pela imprensa de todo o mundo, essa divulgação suscitou um amplo debate sobre o potencial crescente de mídias participativas e do jornalismo digital. A maior parte das discussões é influenciada por três mitos da era digital que têm como origem uma visão determinista e ingênua da tecnologia.
 
Primeiro mito: os meios de comunicação ditos “sociais” – cujo conteúdo é coproduzido por quem os utiliza – dispõem de um poder específico. Muito se falou sobre o caso Wikileaks e o que ele revela sobre o papel dos novos meios cooperativos, notadamente na cobertura de conflitos armados. A questão é de fato intrigante, contudo também ilustra uma confusão cada vez mais difundida: a de que blogs, Twitter, Facebook, YouTube ou Wikileaks são todos farinha do mesmo saco. Pelo fato de explorarem a mesma tecnologia, esses suportes são vistos como um conjunto homogêneo. No entanto, diferentemente de outros meios cooperativos, o Wikileaks submete qualquer documento destinado à publicação a um extenso processo de verificação. E esse não é apenas um pormenor. Muito pelo contrário: o procedimento revela o caráter fantasioso das ilusões “tecnoutópicas” segundo as quais somos espectadores de um “mundo aberto”, onde qualquer um, pelo simples ato de publicar, divulga alguma
 
Verdade sobre o planeta
 
A influência do Wikileaks não se deve à tecnologia utilizada e, sim, à confiança dos leitores na autenticidade dos documentos disponíveis para consulta. No site YouTube – plataforma que difunde conteúdos enviados por internautas – é possível encontrar centenas de vídeos filmados no Iraque ou no Afeganistão que mostram as forças da coligação engajadas em atos de agressão difíceis de serem justificados ou simplesmente ilegais. Porém, nenhum desses documentos teve o mesmo impacto ou influência que outro similar publicado em Wikileaks.org: o massacre de um grupo de civis – entre eles, dois jornalistas da Reuters – por um helicóptero de combate estadunidense na periferia de Bagdá. Por quê? Porque qualquer informação tem valor apenas na medida em que pode ser verificável. Os “meios sociais” não são todos iguais frente à informação, razão pela qual seria equivocado atribuir-lhes a mesma capacidade de influência.
 
Segundo mito: o Estado-nação está em vias de extinção. Uma grande parcela do discurso que glorifica a internet está assentada sobre a ideia de que vivemos atualmente em um mundo desprovido de fronteiras. De acordo com Jay Rosen, professor na Universidade de Nova York, o Wikileaks seria inclusive “o primeiro veículo de imprensa alheio a qualquer poder estatal”. Ora, é exatamente o contrário. Se o “caso Weakleaks” nos ensina alguma coisa, é justamente que o Estado-nação está longe de terminar. Os responsáveis pelo site sabem muito bem disso.
 
Wikileaks tem sua base na Suécia e, por isso, é beneficiário do nível da proteção excepcional que a lei sueca oferece aos “alarmes profissionais” em termos de anonimato das fontes1. Além disso, se por um lado é uma empresa sueca que hospeda Wikileaks – PRQ –, por outro, todo documento direcionado ao site passa pela intermediação de servidores situados na Bélgica. Por quê? Bem, porque a Bélgica dispõe de leis rigorosas igualmente sobre a proteção de fontes. O fundador do Wikileaks, Julian Assanger, escolheu apresentar pela primeira vez o vídeo do massacre em Bagdá, mencionado anteriormente, na Islândia, país que tinha acabado de promulgar um conjunto de leis – a Iniciativa Islandesa para uma Mídia Moderna – destinado a tornar o país um refúgio de “alarmes profissionais” e de jornalismo investigativo.
 
Os exemplos da influência estadunidenses e suas leis nacionais sobre a suposta “fluidez” do mundo digital são muitos: vão da recente decisão dos Emirados Árabes Unidos e da Arábia Saudita de proibir a utilização de programas de troca de mensagens instantâneas em terminais de BlackBerry ao veto do YouTube na Turquia. Se é verdadeiro que a estrutura do Wikileaks foi pensada para contornar certas legislações nacionais, ela também é destinada a tirar vantagem das leis de outros países. O Wikileaks não existe nem acima, nem abaixo da lei: o site joga com os quadros jurídicos que lhe são mais favoráveis.
 
Morte do jornalismo
 
Terceiro mito: o jornalista está morto (ou agonizando). Certamente, o exemplo do Wikileaks mostra que a tecnologia nos obriga a redefinir ou até mesmo precisar o sentido da palavra “jornalismo”. Porém, por outro lado, reafirma o papel central dessa profissão na difusão da informação. Semanas antes de divulgar na internet os documentos sobre a guerra no Afeganistão, o Wikileaks transmitiu-os a três jornais diários de grande público internacional (The Guardian, The New York Times e Der Spiegel) e não a publicações alternativas. A decisão foi bastante criteriosa, pois se os documentos fossem colocados diretamente on-line, os meios de comunicação do mundo inteiro se precipitariam sobre as informações em um caos de análises dispersas e confusas. Ao contrário, a atenção ficou centralizada na análise feita por esses três jornais.
 
Como vemos, a hipótese da morte do jornalismo e do desaparecimento do Estado-nação incorrem no mesmo equívoco ao misturar evolução e eliminação. As circunstâncias e o sucesso da difusão dos documentos sobre a guerra no Afeganistão mostram que o jornalismo “tradicional” não perdeu sua utilidade. O que mudou nos últimos 20 anos foi a natureza do papel desempenhado pelo jornalista, que deve agora levar em conta o manejo da informação em novos meios.
 
O mito do fim do jornalismo se alimenta da ilusão de que existe um vínculo casual entre “informação” e “progresso democrático”. A ideia de que o acesso a uma informação em “estado bruto” conduz, necessariamente, à emancipação é tão ingênua quanto aquela que atribui à tecnologia um poder de liberação intrínseco. A informação e a tecnologia são úteis graças aos conhecimentos e às competências que permitem dar a elas um uso pertinente. O Wikileaks não escolheu os jornais mencionados por razões ideológicas e, sim, porque são meios de comunicação que dispõem de recursos organizacionais, profissionais e econômicos que permitem a difusão e a acessibilidade dos documentos em questão.

Ao contrário do discurso reconfortante que constrói o universo digital como “horizontal” para além de Estados e fluxos, o Wikileaks nos lembra que as estruturas, as fronteiras e as leis não perderam, em absoluto, sua importância.

A VERDADEIRA GEOGRAFIA

Blog do Prof. Jutahy.

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